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domingo, 14 de abril de 2013

XI ENCONTRO INTERNACIONAL DAS ENS - BRASÍLIA/DF - ENCHEU-SE DE COMPAIXÃO - (PADRE TIMOTHY RADCLIFFE)



Brasília, 24/07/2012 - 08:30 h

O samaritano viu o homem caído à beira da estrada e encheu-se de compaixão. Isto significa literalmente que as suas entranhas foram tocadas. Ficou comovido no âmago do seu ser. A palavra “compaixão” significa sentir com alguém. É bom sentir por alguém. Isso faz parte da compaixão, mas, sem mais, pode ser paternalista ou condescendente. Temos também de sentir com as pessoas, respeitando como elas se sentem e como vêem as coisas.

Estes são, pois, as duas faces da compaixão: tenho de ver a pessoa como um ser humano como eu, meu irmão ou minha irmã. Tenho também de aprender a vê-la como sendo diferente de mim, como fruto da sua experiência única, que eu não posso conhecer totalmente. Há dois dias, quando falei do amor, disse que ele implica que nos aproximemos do outro na intimidade, mas também que lhe demos espaço para ser ele próprio. O samaritano aproxima-se mas também deixa o homem ferido na estalagem para continuar a sua própria vida.

O Brasil é a terra do grande Hélder Câmara, o santo Arcebispo do Recife. Ele é um maravilhoso exemplo da compaixão neste primeiro sentido. Foi muitas vezes acusado de ser comunista por causa da sua preocupação com os pobres que vivem nas favelas das colinas à roda da cidade. Dizia ele: «Se eu não subir às suas favelas nas colinas para os saudar como meus irmãos e minhas irmãs, eles descem das colinas para as cidades com bandeiras e armas».

Às vezes, quando ouvia dizer que um pobre tinha sido detido pela polícia, Hélder Câmara telefonava para a polícia e dizia: «Ouvi dizer que tinham prendido um irmão meu». E a polícia desfazia-se em desculpas: «Que erro terrível, Excelência! Não sabíamos que era seu irmão. Ele vai ser liberto imediatamente!». E, quando o Arcebispo ia à polícia buscar o homem, podia dar-se o caso de o agente dizer: «Mas ele não tem o mesmo nome que Vossa Excelência». E Câmara respondia que todos os pobres eram seus irmãos e suas irmãs.

Amar outra pessoa é vê-la como semelhante a nós, outro ser humano. Sto. Agostinho dizia que o amigo é «outro eu». Ele escreveu: «Concordo com o poeta que chamava ao seu amigo “metade da sua própria alma”. Porque eu sinto que a minha alma e a do meu amigo são uma alma em dois corpos». Quando tentamos comunicar com pessoas que vivem relações desfeitas, com quem vive em união de facto ou com divorciados recasados, vemo-nos na sua posição. Identificamo-nos com elas e sabemos que podíamos facilmente estar na sua situação.

A outra face da compaixão é aceitar que a outra pessoa não é igual a mim. A outra pessoa é única, e eu não posso conhecer exactamente os seus sofrimentos. É muito irritante se estamos a passar por uma dor e alguém nos diz: «Sei exactamente o que está a sentir». Pode dar-se o caso de ter perdido alguém querido ou de estar a sofrer uma dor física, e temos vontade de dizer: «Não, não sabe! Você não é eu!». O meu sofrimento não é exactamente o mesmo que o de qualquer outra pessoa. Você nunca perdeu a minha mulher ou o meu marido! Você não sabe o que é para mim estar diante da morte. A verdadeira compaixão também respeita a alteridade do outro, o mistério do seu ser.

Como podemos crescer nesse respeito pela outra pessoa? Ontem falei de como olhamos as outras pessoas. Nós rezamos para podermos ver com os olhos de Jesus. Mas Jesus também se deixa ver. Na cruz, ele está nu diante dos nossos olhos. Os seus olhos penetram através dos nossos disfarces, mas ele tem a coragem de também se deixar ver, mesmo morto na cruz quando já não pode olhar-nos. Confia-se ao nosso olhar.

A verdadeira compaixão significa que olhamos para as pessoas com amor, mas também nos deixamos ver. Se só olharmos, então estamos a reivindicar alguma superioridade. Na Igreja primitiva, no baptismo, éramos despojados da nossa roupa. Entrávamos na pia baptismal nus e sem vergonha. Não precisávamos de nos esconder do olhar de Deus, como Adão e Eva depois da queda. Agora podemos estar diante de Deus como somos. S. Gregório de Nissa escreveu: «Deixando cair estas folhas murchas que encobrem as nossas vidas, devemos uma vez mais apresentar-nos diante dos olhos do nosso Criador» (1).

No casamento, ou mesmo na vida religiosa, aprendemos a reciprocidade da compaixão. Deixamo-nos ser tocados pelo que a outra pessoa vive. Olhamo-la com os olhos abertos. Mas temos também de ousar deixarmo-nos ver pelo nosso cônjuge. Não precisamos de esconder as nossas fraquezas, as nossas dúvidas, as nossas inseguranças. Temos mesmo de estar literalmente nus com o outro, e isso exige grande confiança, sobretudo quando envelhecemos e ficamos mais flácidos!

Confiamos que ele nos olhará com misericórdia e compreensão. Temos medo de que, se o nosso cônjuge nos vir como realmente somos, deixe de nos amar? Sentimo-nos impelidos a criar uma fachada que nos faça ganhar admiração em vez de confiar no seu amor compassivo por nós? Deus vê-nos tal como somos, e ama-nos mais do qualquer outra pessoa.

Um dia, levaram-me a visitar uma grande lixeira na periferia de Kingston, na Jamaica, onde vivem as pessoas mais indigentes. Descobri uma espécie de barracão primitivo, quase uma grande caixa de cartão. Quando me aproximei, saiu do barracão uma mãe com o seu filho pequeno. Convidaram-me a entrar e ofereceram-me uma Coca-Cola que tinham, supus, encontrado na lixeira, e o filho pediu-me que trocássemos as T-shirt. Fiquei profundamente comovido e guardei aquela T-shirt durante anos. Parece que encolheu bastante. Não foi só o facto de eu os ter visto, mas o de eles me terem visto a mim: eu existia aos seus olhos, fui convidado para a sua casa. Olhámos uns para os outros. Sem essa reciprocidade, até mesmo a compaixão pode ser paternalista e até dominadora.


1) De Virginitate XIII 1,15s, citado por Simon Tugwell OP, The Way of the Preacher, Londres 1979, p. 92.

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