domingo,
19 de maio de 2013, 11h38
Amados irmãos e irmãs,
Neste dia, contemplamos e revivemos na liturgia a
efusão do Espírito Santo realizada por Cristo ressuscitado sobre a sua Igreja;
um evento de graça que encheu o Cenáculo de Jerusalém para se estender ao mundo
inteiro.
Então que aconteceu naquele dia tão distante de nós
e, ao mesmo tempo, tão perto que alcança o íntimo do nosso coração? São Lucas
dá-nos a resposta na passagem dos Atos dos Apóstolos que ouvimos (2, 1-11). O
evangelista leva-nos a Jerusalém, ao andar superior da casa onde se reuniram os
Apóstolos. A primeira coisa que chama a nossa atenção é o rombo improviso que
vem do céu, “comparável ao de forte rajada de vento”, e enche a casa; depois,
as “línguas à maneira de fogo” que se iam dividindo e pousavam sobre cada um
dos Apóstolos. Rombo e línguas de fogo são sinais claros e concretos, que tocam
os Apóstolos não só externamente mas também no seu íntimo: na mente e no
coração. Em consequência, “todos ficaram cheios do Espírito Santo”, que esparge
seu dinamismo irresistível com efeitos surpreendentes: “começaram a falar
outras línguas, conforme o Espírito lhes inspirava que se exprimissem”. Abre-se
então diante de nós um cenário totalmente inesperado: acorre uma grande multidão
e fica muito admirada, porque cada qual ouve os Apóstolos a falarem na própria
língua. É uma coisa nova, experimentada por todos e que nunca tinha sucedido
antes: “Ouvimo-los falar nas nossas línguas”. E de que falam? “Das grandes
obras de Deus”.
À luz deste texto dos Atos, quereria refletir sobre
três palavras relacionadas com a ação do Espírito: novidade, harmonia e
missão.
1. A novidade causa sempre um pouco de medo, porque
nos sentimos mais seguros se temos tudo sob controle, se somos nós a construir,
programar, projetar a nossa vida de acordo com os nossos esquemas, as nossas
seguranças, os nossos gostos. E isto verifica-se também quando se trata de
Deus. Muitas vezes seguimo-Lo e acolhemo-Lo, mas até um certo ponto; sentimos
dificuldade em abandonar-nos a Ele com plena confiança, deixando que o Espírito
Santo seja a alma, o guia da nossa vida, em todas as decisões; temos medo que
Deus nos faça seguir novas estradas, faça sair do nosso horizonte
frequentemente limitado, fechado, egoísta, para nos abrir aos seus horizontes.
Mas, em toda a história da salvação, quando Deus Se revela traz novidade –
Deus traz sempre novidade -, transforma e pede para confiar totalmente
n’Ele: Noé construiu uma arca, no meio da zombaria dos demais, e salva-se;
Abraão deixa a sua terra, tendo na mão apenas uma promessa; Moisés enfrenta o
poder do Faraó e guia o povo para a liberdade; os Apóstolos, antes temerosos e
trancados no Cenáculo, saem corajosamente para anunciar o Evangelho. Não se
trata de seguir a novidade pela novidade, a busca de coisas novas para se
vencer o tédio, como sucede muitas vezes no nosso tempo. A novidade que Deus
traz à nossa vida é verdadeiramente o que nos realiza, o que nos dá a
verdadeira alegria, a verdadeira serenidade, porque Deus nos ama e quer apenas
o nosso bem. Perguntemo-nos hoje a nós mesmos: Permanecemos abertos às
“surpresas de Deus”? Ou fechamo-nos, com medo, à novidade do Espírito Santo?
Mostramo-nos corajosos para seguir as novas estradas que a novidade de Deus nos
oferece, ou pomo-nos à defesa fechando-nos em estruturas caducas que perderam a
capacidade de acolhimento? Far-nos-á bem pormo-nos estas perguntas durante todo
o dia.
2. Segundo pensamento: à primeira vista o
Espírito Santo parece criar desordem na Igreja, porque traz a diversidade dos
carismas, dos dons. Mas não; sob a sua ação, tudo isso é uma grande riqueza,
porque o Espírito Santo é o Espírito de unidade, que não significa
uniformidade, mas a recondução do todo à harmonia. Quem faz a harmonia na
Igreja é o Espírito Santo. Um dos Padres da Igreja usa uma expressão de que
gosto muito: o Espírito Santo «ipse harmonia est – Ele próprio é a harmonia». Só
Ele pode suscitar a diversidade, a pluralidade, a multiplicidade e, ao mesmo
tempo, realizar a unidade. Também aqui, quando somos nós a querer fazer a
diversidade fechando-nos nos nossos particularismos, nos nossos exclusivismos,
trazemos a divisão; e quando somos nós a querer fazer a unidade segundo os
nossos desígnios humanos, acabamos por trazer a uniformidade, a homogeneização.
Se, pelo contrário, nos deixamos guiar pelo Espírito, a riqueza, a variedade, a
diversidade nunca dão origem ao conflito, porque Ele nos impele a viver a
variedade na comunhão da Igreja. O caminhar juntos na Igreja, guiados pelos
Pastores – que para isso têm um carisma e ministério especial – é sinal da ação
do Espírito Santo; uma característica fundamental para cada cristão, cada
comunidade, cada movimento é a eclesialidade. É a Igreja que me traz Cristo e
me leva a Cristo; os caminhos paralelos são muito perigosos! Quando alguém
se aventura ultrapassando (proagon) a doutrina e a Comunidade eclesial – diz o
apóstolo João na sua Segunda Carta e deixa de permanecer nelas, não está unido
ao Deus de Jesus Cristo (cf. 2 Jo 9). Por isso perguntemo-nos: Estou aberto
à harmonia do Espírito Santo, superando todo o exclusivismo? Deixo-me guiar por
Ele, vivendo na Igreja e com a Igreja?
3. O último ponto. Diziam os teólogos antigos: a
alma é uma espécie de barca à vela; o Espírito Santo é o vento que sopra na vela,
impelindo-a para a frente; os impulsos e incentivos do vento são os dons do
Espírito. Sem o seu incentivo, sem a sua graça, não vamos para a frente. O
Espírito Santo faz-nos entrar no mistério do Deus vivo e salva-nos do perigo de
uma Igreja gnóstica e de uma Igreja narcisista, fechada no seu recinto;
impele-nos a abrir as portas e sair para anunciar e testemunhar a vida boa do
Evangelho, para comunicar a alegria da fé, do encontro com Cristo. O
Espírito Santo é a alma da missão. O sucedido em Jerusalém, há quase dois
mil anos, não é um fato distante de nós, mas um fato que nos alcança e se torna
experiência viva em cada um de nós. O Pentecostes do Cenáculo de Jerusalém é o
início, um início que se prolonga. O Espírito Santo é o dom por excelência
de Cristo ressuscitado aos seus Apóstolos, mas Ele quer que chegue a todos.
Como ouvimos no Evangelho, Jesus diz: “Eu apelarei ao Pai e Ele vos dará outro
Paráclito para que esteja sempre convosco” (Jo 14, 16). É o Espírito
Paráclito, o “Consolador”, que dá a coragem de levar o Evangelho pelas estradas
do mundo! O Espírito Santo ergue o nosso olhar para o horizonte e
impele-nos para as periferias da existência a fim de anunciar a vida de Jesus
Cristo. Perguntemo-nos, se tendemos a fechar-nos em nós mesmos, no nosso grupo,
ou se deixamos que o Espírito Santo nos abra à missão. Recordemos hoje estas
três palavras: novidade, harmonia, missão.
A liturgia de hoje é uma grande súplica, que a
Igreja com Jesus eleva ao Pai, para que renove a efusão do Espírito Santo.
Cada um de nós, cada grupo, cada movimento, na harmonia da Igreja, se dirija ao
Pai pedindo este dom. Também hoje, como no dia do seu nascimento, a Igreja
invoca juntamente com Maria: “Veni Sancte Spiritus… – Vinde, Espírito Santo,
enchei os corações dos vossos fiéis e acendei neles o fogo do vosso amor”!
Amém.
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