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quinta-feira, 16 de maio de 2013

XI ENCONTRO INTERNACIONAL DAS ENS - BRASÍLIA, DF - HOMILIA DA FESTA DE SÃO TIAGO (+ MANOEL CLEMENTE, BISPO DO PORTO - PORTUGAL)

Brasília /DF, 25/07/2012 às 11:00 horas.




Irmãs e irmãos caríssimos, participantes no XI Encontro Internacional das Equipas de Nossa Senhora

Celebramos hoje com toda a Igreja a Festa do Apóstolo São Tiago, o que só pode reforçar a dimensão apostólica da vida eclesial e familiar, que tão convictamente viveis.

No trecho evangélico que escutámos, a mãe de Tiago e João pediu o que é costume pedir: o melhor lugar para os seus filhos, como habitualmente queremos para nós e para os nossos.

Podemos até verificar como essa pretensão está presente na generalidade dos projetos humanos, sociais e políticos também, na pequena ou grande escala do mundo de todos e de cada um.

Das competições desportivas às económicas e financeiras; dos concursos locais ou de grupo às grandes concorrências de nações e de blocos, sempre esse sentimento transparece e aflora: ficar à frente, ser o primeiro, ganhar o destaque, a fama, o poder e a glória.

É algo tão comum em indivíduos e grupos, como os conhecemos agora, que quase se poderia tomar como essencial à natureza humana… Digo quase, porque realmente há outros fatores que nos definem e devemos ter em conta, em melhor conta.

Refiro-me à nossa natureza “pessoal”: existimos a partir de outros – os nossos pais – e só nos realizamos plenamente com os outros, familiar e comunitariamente. Sozinhos, nem nos reconheceríamos a nós próprios, pois a imagem que podemos fazer de nós só reflexamente se alcança: os olhos dos outros são o nosso espelho, as vozes que temos ressoam em eco, a atenção que nos prestamos mutuamente é a atmosfera onde podemos respirar.

Por isso, a família em que nascemos e crescemos é o lugar essencial e insubstituível para a nossa existência coexistente, para a nossa vida e consciência, para o crescimento verdadeiro, que só em comunhão pode acontecer.

Isto mesmo sabeis vós, caríssimos casais e famílias das Equipas de Nossa Senhora. E isto mesmo aprendeis com Ela, Maria de Nazaré, Mãe de Cristo e Esposa de José.

Tudo na Sagrada Família é vida em comunhão, com Deus e entre si. Maria recebeu de Deus o Filho a quem transmitiu a humanidade de nós todos, formado no seu seio virginal; José acolheu o mistério imenso duma vida que, não sendo naturalmente sua, soube guardar e conduzir, como sinal humano da paternidade divina, no crescimento e no trabalho. Jesus foi submisso a Maria e a José, crescendo em sabedoria, estatura e graça, sob a natural tutela de sua mãe e do seu pai adotivo; aos quais não deixou de interpelar e fazer também crescer na fé, à medida em que foi manifestando a sua verdadeira condição de Filho de Deus encarnado (cf. Lc 2, 49-52).

Acolhimento mútuo, crescimento familiar, aprofundamento duma comunhão que, passando pelo coração e as atitudes de cada um, tem em Deus Amor a sua origem e também a finalidade a atingir, pela mediação familiar e humana em que se processa.

Na Diocese que atualmente sirvo – deixai-me partilhar convosco – dedicámos o presente ano pastoral à Família e à Juventude, com o seguinte lema: “Viver em comunhão, formar para a comunhão”. Nas várias atividades e reflexões entretanto feitas, o que mais sobressaiu foi isso mesmo: a família, cada família, é o lugar inquestionável e positivo onde esposos e filhos, avós e até outros parentes, têm ocasião permanente para conviver e crescer, em mútua atenção e correspondência concreta, uns a partir dos outros, uns para os outros, todos com todos: e isto mesmo nas mais diversas circunstâncias e vicissitudes da existência humana, assim transformadas em escola comum da caridade divina – a única que não acabará jamais.

Com cerca de trinta anos de idade, Jesus deixou a sua casa e família de Nazaré, para dar início à grande família dos filhos de Deus, que há dois milénios vai crescendo no mundo. A família a que pertencem todas as famílias aqui reunidas, pela graça batismal e matrimonial que de Cristo recebem. A família a que pertencemos todos nós.

Entretanto, podemos considerar que os dinamismos pessoais em que Jesus crescera na sua própria família humana - infinitamente preenchidos pela sua realidade eterna de Filho de Deus no amor do Espírito -, se alargaram depois aos que chamou, para iniciar na terra aquele Reino que finalmente acontecia.

Durante a “vida pública” que se seguiu, de Nazaré a Jerusalém, do batismo por João à morte que sofreu por nós, em tudo Jesus expandiu o amor divino que humanamente se traduzira na Sagrada Família, de Belém ao Egito e a Nazaré da Galileia.

Daqui também que a “escola dos discípulos”, que Ele constituiu, fosse pedagogia ativa dos verdadeiros sentimentos e da comunhão concreta em que eles haviam de renascer, uns com os ou outros e todos para todos. Assim no Evangelho que escutámos, evocando São Tiago, o seu irmão e os discípulos em geral.

O que a “mãe dos filhos de Zebedeu” pediu foi, como vimos, muito natural e corrente: que Tiago e João ficassem ao lado de Jesus e primeiro que os outros… O que Jesus lhe indicou foi muito diverso e inovador: que “bebessem do cálice” que ele ia beber, partilhando os seus sentimentos de vida totalmente entregue, dando-a por todos e realizando-se desse modo. Um destino verdadeiramente pascal, em que a vida se ganha quando se oferece e só assim resulta e perdura.

Caríssimos casais e amigos das Equipas de Nossa Senhora: o sacramento que celebrastes no Matrimónio que sois proporciona-vos sempre e para sempre a mesma graça, atual e futura: casando-vos “no Senhor” (cf. 1 Cor 7, 39), dele recebeis luz e força, para aprender Deus vivendo à maneira de Deus – de Deus que é amor, vida circulante entre o Pai e o Filho na unidade do Espírito.

O irmão de Tiago escreveria estas palavras, anos mais tarde: “Caríssimos, amemo-nos uns aos outros, porque o amor vem de Deus, e todo aquele que ama nasceu de Deus e chega ao conhecimento de Deus. Aquele que não ama não chegou a conhecer a Deus, pois Deus é amor” (1 Jo 4, 7-8). E o próprio Tiago concluiu os seus dias dando a vida por aquele Cristo com quem tudo aprendera; sobretudo a revelação absoluta de que “a felicidade está mais em dar do que em receber” (Act 20; 35).

Convertamos nós agora – nos casais, nas famílias, nas comunidades e na própria sociedade – os nossos impulsos tão atávicos de competição e prevalência em disposição firme e acrescida de promoção dos outros e em emulação positiva na prática do bem.

Digamos mesmo e em relação a todos, começando pelos esposos entre si, aquilo que João Baptista soube dizer em relação a Jesus: “Ele é que deve crescer, e eu diminuir” (Jo 3, 30). Porque, antes de todos, isso mesmo fez Jesus, “esvaziando-se “ da vida que nos deu para que nós crescêssemos. Como exortava São Paulo: “… nada façais por ambição, nem por vaidade: mas com humildade, considerai os outros superiores a vós próprios, não tendo cada um em mira os próprios interesses, mas todos e cada um exatamente os interesses dos outros. Tende entre vós os mesmos sentimentos, que estão em Cristo Jesus: Ele, que é de condição divina, […] esvaziou-se a si mesmo, tomando a condição de servo. […] Por isso mesmo Deus o elevou acima de tudo e lhe concedeu o nome que está acima de todo o nome…” (Flp 2, 3 ss).

Irmãs e irmãos: Aprendamos, pratiquemos e cresçamos, em família e em Igreja, o que havemos de ser no mundo como sinal e em Deus como vida eterna. Só vivemos quando fazemos viver, só nos ganhamos quando nos oferecemos, só nos realizamos na felicidade dos outros. Aqui começa o cristianismo autêntico; antes disto só se arrasta o homem velho…

Imitemos o próprio Deus, que, dando-nos constantemente a vida, nem é ruidoso ao dá-la nem nos impõe a sua presença, antes nos oferece a amplidão do espaço interior e exterior, para crescermos, e a vitalidade da terra, para a fazemos frutificar. Deus que “humildemente” nos espera em cada irmão, para recompensar infinitamente toda a atenção que Lhe prestarmos nos outros.

Esta a lição que Tiago aprendeu de Jesus. Esta a graça e a responsabilidade dos casais cristãos e suas famílias: serem escolas do Evangelho, para a vida do mundo!

+ Manuel Clemente, Bispo do Porto (Portugal)
Brasília, 25 de Julho de 2012

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