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quinta-feira, 16 de maio de 2013

XI ENCONTRO INTERNACIONAL DAS ENS - BRASÍLIA/DF - PALAVRAS DE DESPEDIDA (CARLO E MARIA CARLA VOLPINI)

Brasília, 26/07/2012 às 9:30 horas.

Chegámos ao fim do nosso magnífico encontro, e também nós chegámos à meta final destes
maravilhosos 6 anos de serviço na responsabilidade do Movimento.
É tempo de despedidas e tempo de balanços.
Gostaríamos de passar este momento despercebidos e em silêncio, de sair em bico de pés e, ao mesmo tempo, gostaríamos de abraçar com força um a um todos aqueles que, ao longo destes anos, encontrámos, escutámos, olhámos, todos aqueles com quem caminhámos, com quem realizámos um pequeno projecto ou com quem apenas rezámos.
Temos de fazer esta última conferência para recordar, agradecer, saudar, passar o testemunho ao novo casal responsável. Depois de tantas palavras lidas, ditas, ouvidas durante estes anos, ocorrenos apenas uma, “Magnificat”, e talvez só agora compreendamos o sentido profundo desta breve palavra que, desde há quarenta anos, acompanha os nossos dias, recitada individualmente, em casal, em equipa, com dezenas e centenas de outras pessoas nas reuniões de equipa em que participámos nos vários países do mundo ou nos vários encontros do Movimento em que participámos durante estes anos. É em plenitude e em verdade que hoje, ao fim deste nosso serviço, dizemos: a nossa alma glorifica o Senhor porque o Todo-poderoso fez em nós maravilhas.
Seria fácil dar-Lhe graças por tudo o que recebemos, poderíamos fazer uma lista dos muitos dons, como numa lista de casamento. Mas o nosso magnificat de hoje é principalmente por tudo o que de inesperado, de inédito e de imprevisível recebemos neste espaço e tempo de vida. Aconteceu-nos o mesmo que nas bodas de Caná: fomos convidados para uma festa, o serviço de responsáveis internacionais, e, para essa festa, preparámo-nos, vestimo-nos, fizemos programas e depois, dia após dia, quantas coisas inéditas e inesperadas! A nossa alma glorifica o Senhor porque fez em nós maravilhas, fazendo-se Palavra nas vossas palavras, Gesto nos vossos gestos, Rosto nos vossos rostos.
Contudo, antes de nos despedirmos, há um tempo a viver, o tempo da memória destes anos, porque “sem memória todo o projecto é utopia, sem projecto a memória torna-se apenas saudade, sem consciência efectiva, memória e projecto seriam apenas evasão”1. É só no conjunto das três palavras — memória, projecto, consciência — que o pensamento se pode tornar rico em discernimento e juízo, capaz de fazer nascer orientações novas.
A nossa memória deste serviço começa na grande emoção vivida em Lourdes no dia do início da nossa responsabilidade; desse dia queremos recordar algumas palavras que dissemos, porque foi a partir dali que começou o nosso caminho.
“A primeira obrigação da responsabilidade que vamos assumir é servir o Movimento nas pessoas dos muitos que fazem parte dele, tecendo uma rede de relações feitas de palavras e de olhares que nos permitam ser fecundos no caminho de amor que o Senhor quer para a nossa salvação e segundo as orientações que o Pe. Caffarel nos indicou como lemes da nossa vivência da fé e da vocação conjugal. Acreditamos que a relação é hoje, mais do que em qualquer outro tempo, a possibilidade mais significativa que nos é dada para tornar viva a nossa fé. A relação trinitária é o fundamento da fé, a relação entre Deus e os homens está na base do caminho de salvação, a relação entre um homem e uma mulher é o princípio e o fim do seu amor. Mas nenhum de nós pode dizer que vive plenamente o significado profundo da relação, seja do amor seja da fé, se se limitar a vivê-la como uma relação individual, no plano humano, entre si e o seu cônjuge e,
no plano teologal, entre si e Deus. A relação a que cada um de nós é chamado é, de facto, a da comunidade humana e eclesial”.
Estas foram as palavras que proferimos em Lourdes em 2006 e que hoje voltamos a trazer ao nosso coração e ao vosso para reafirmar que foi com base nesta palavra “relação” que procurámos Bruno Forte , arcebispo de Chieti-Vasto – Itália, teólogo italiano. “La teologia come compagnia, memoria e profezia”, Paoline, Milão, 1987.

2 - Viver o nosso serviço, para tecer essa rede de relações e laços de amizade e de fraternidade de um
extremo ao outro do mundo, onde a realidade das ENS está presente.

Certamente não conseguimos chegar a todos, mas cada equipa e cada equipista foi uma realidade viva nos nossos pensamentos e nos nossos corações, atentos, na medida do possível, às necessidade e às exigências de todos, disponíveis para voar de um extremo ao outro do mundo para fazer sentir o mais possível que o Movimento é uma realidade viva e vital e que a Equipa Responsável Internacional tem como primeira obrigação animar a vida espiritual e cuidar das muitas situações que têm origem nas diversas culturas e realidades sociais, embora na unidade do carisma e da metodologia que nos une.
A própria ERI tornou-se uma realidade itinerante, e nem sempre desenvolveu o seu trabalho em Paris, sede histórica e oficial do Movimento, mas também em outros países, a começar pelos mais distantes e mais pequenos em número de equipas: em Córdoba na Argentina, em Beirute no Líbano, no Quebeque no Canadá. Os Colégios, como é hábito consolidado há muitos anos, levaram-nos a casa das várias Supra-Regiões do mundo: Durham, Fátima, Roma, Madrid, Bogotá, Brasília; e, finalmente, as nossas viagens pessoais para corresponder ao convite de uma ou outra Região ou Supra-Região: Polónia, França, Florianópolis no Brasil, Bélgica, Bristol em Inglaterra, Albânia, Edmonton no norte do Canadá, Ilha da Madeira, Angola. Tudo isto se tornou um património inestimável de conhecimentos recíprocos, de relações, de vida não só a nível pessoal mas como riqueza de todo o Movimento que pôde viver a internacionalidade como uma realidade concreta e não como uma palavra a acrescentar aos documentos oficiais.
Em todos os países, grandes ou pequenos, fomos acolhidos como se acolhe um amigo que se espera com alegria e com o qual se sabe poder partilhar a profundidade dos valores da fé e dos ideais de vida. Procurámos construir pontes com os tijolos da amizade, da oração, da escuta mútua, da partilha das nossas vidas. Nestas pontes que unem todas as equipas do mundo temos de continuar a caminhar com segurança e com paixão, tendo como mapa as palavras que constituem as novas orientações que nascem deste XI Encontro:
“Ousar o Evangelho”: Casais habitados pelo amor de Cristo, vivamos cada dia nos caminhos do mundo cuidando do homem”.
Habitados pelo amor de Cristo, que significa isso? Em que pensámos, na ERI, quando escrevemos esta frase tão importante? Nas palavras que alguns padres nos dirigiram, a nós casais das ENS em particular, como as do bispo Russotto em Lourdes: “Deus semeou em vós a vocação do amor; vós sois o reflexo da beleza do amor de Cristo no mundo e pelo mundo. Sois o Evangelho do amor nupcial que Deus narra na história. Como a Virgem Maria, sois o tabernáculo de carne em que Jesus gosta de habitar, de repousar, de se revelar. Sois o beijo de Deus na história”.
Ou como as de Mons. Renzo Bonetti em Roma: “Ensinaram-nos a contemplar Deus nas estrelas, na variedade das flores, na beleza de um lugar, na frescura de uma nascente; ensinaram-nos a admirar a infinitude de Deus no oceano, no mar, na majestade das montanhas… Experimentem perguntar às montanhas como é que Deus vive. Se em todas essas montanhas houvesse um único casal, homem e mulher, esse casal diria mais sobre Deus do que todas as montanhas juntas, porque Deus é amor. As montanhas não me dizem que Deus é amor, o céu estrelado não me diz que Deus é amor, a beleza das flores não me diz que Deus é amor. Vislumbro o Deus que é amor na beleza de um beijo entre um homem e uma mulher — esta é a imagem mais bela porque me revela o Deus amor. Quem me faz compreender quem é Deus é realmente o homem e a mulher, a sua relação.
Deus manifesta-se no casal humano, mas o casal humano pode, ou melhor, é chamado a ‘dizer’ Deus e diz Deus da maneira mais assimilável e mais credível para o mundo contemporâneo.
Podeis dizer Deus sem lhe pronunciar o nome. Podeis ser a sua presença de amor sem lhe celebrar os ritos. É este o dizer-se de Deus. Sereis a rocha que, tocada pela varinha do Espírito Santo, do sacramento, pode fazer jorrar nascentes de água viva para o nosso mundo sedento”.
2 Mons. Mario Russotto, bispo, Lourdes 17 Setembro 2006.
3 Bonetti Renzo, ex-responsável do Ufficio famiglia Roma, Roma 19 Janeiro 2003 às ENS.

3 - E, depois, a segunda orientação: “vivamos cada dia nos caminhos do mundo”. 

Nos caminhos do mundo… e em que outro lugar poderemos e deveremos viver, nós que todos os dias
trabalhamos nos lugares mais variados, fábricas, escolas, mercados, escritórios, hospitais, campos?
Em que outro lugar poderemos e deveremos viver nós que, como pais, frequentamos as escolas e os lugares que os nossos filhos frequentam, os agradáveis quando os nossos filhos vivem o seu crescimento com serenidade, os da transgressão e da marginalização quando os nossos filhos enveredam por caminhos errados? Em que outro lugar poderemos e deveremos viver, nós que, adultos, somos chamados a  acompanhar na sua velhice os nossos pais idosos e com eles atravessamos os lugares do cansaço, da solidão, da doença?
Mas nos caminhos do mundo não estão só os nossos filhos, os nossos pais, os nossos amigos. Nos caminhos que o homem percorre, como recordava D. Tonino Bello4, estão também homens e mulheres imersos na solidão e no abandono, aqueles que já nem sequer sabem chorar, que ficam mudos na sua dor ou que, pelo contrário, lançam pedras como se fossem lágrimas; nos caminhos do homem estão também todos aqueles homens e aquelas mulheres que ficaram encerrados em situações de degradação social e cultural, aqueles a quem é negado o pão de cada dia, o trabalho, o direito a viver o calor de uma casa e de uma família, aqueles a quem parecem ser negados os direitos fundamentais da pessoa.
Viver nos caminhos do mundo: queremos dizer procurar e encontrar a força para destruir todos os túmulos em que a prepotência, a injustiça, o pecado, a riqueza, o egoísmo, a doença, a solidão, a traição, a miséria, a indiferença… fecharam tantos dos nossos irmãos.
Viver nos caminhos do mundo é levar por diante no mundo e dentro de nós a ressurreição de Cristo, isto é, dar mensagens de esperança a cada homem que vem ao nosso encontro, ser para esse homem o sinal de esperança que Cristo seria para ele.
Viver nos caminhos do mundo porque, como ainda o bispo Tonino Bello nos convidava a reflectir, “jogamos a nossa credibilidade de cristãos não com base nas genuflexões que fazemos na igreja mas com base na atenção que sabemos pôr no corpo e no sangue de todos aqueles que não encontram um lugar de 
 acolhimento e de libertação”.
Não devemos fazer cruzadas, temos todos os meios para revolucionar o mundo pela parte que nos diz respeito: dialogar com os homens, escutá-los, acolher a Palavra de Deus e torná-la viva pela nossa acção, estar dispostos a partilhar, a verificar as nossas escolhas e as nossas acções, a dar a nós mesmos boas normas para a nossa conversão. Não são porventura estas as regras a que o Movimento nos chama através do dever de se sentar, do pôr em comum, da partilha, da regra de vida e da oração?
E, finalmente, cuidando do homem. De que homem? Certamente, se dizemos homem pensamos na pessoa que vem ao nosso encontro, no amigo, no familiar e até no vizinho com quem cruzamos o olhar e fazemos uma parte do caminho. Mas este alguém a que somos chamados a responder não é só o vizinho ou a pessoa que pertence ao círculo dos conhecidos ou ao grupo a que pertencemos — seja este religioso, paroquial, social ou político — mas toda a humanidade de que nos devemos responsavelmente encarregar, numa consciente situação de interdependência da família humana. “O outro, na realidade global do nosso mundo, já não é só o ‘tu’ com quem podemos estabelecer uma relação directa; é também aquele que talvez nunca venhamos a conhecer, apesar de ter um rosto e um nome preciso, mas de quem devemos cuidar porque faz parte da família humana”.
A realidade de hoje é muito difícil de viver, e a fé talvez ainda mais; o risco que todos corremos face às dificuldades objectivas do presente é o de nos fecharmos num estéril individualismo temperado de sentimentos nostálgicos voltados para o passado, mas temos de ter consciência de que, se faltar a promessa do futuro, virá também a faltar o desejo do presente.
4 Don Tonino Bello, bispo, Alla finestra la speranza, ed. San Paolo 1988.
5 Don Tonino Bello, op. cit.
6 Cf. Ricœur P., Sé come un altro, Jaca Book, Milão, 1993.
 
4 - Dentro de poucos meses ocorrerá o 50º aniversário do Concílio Vaticano II, um concílio que derrubou muros e abriu portas ao infinito mas que ainda talvez espere ser realizado em pleno. 

João XXIII abria-o solenemente a 11 de Outubro de 1962 com o célebre discurso “Gaudet mater Ecclesia” (Alegra-se a Santa Mãe Igreja). A 50 anos daquele dia podemos também nós ainda hoje alegrar-nos Ousando o Evangelho que é a mais bela notícia alguma vez levada ao homem.
Daquele Concílio nasceram três aquisições teológicas fundamentais, como sublinha o Pe. Bartolomeo Sorge, que muitos conhecem das muitas vezes que falou às ENS e que nos acompanha no caminho espiritual desde que éramos pouco mais do que adolescentes:
 a eclesiologia de comunhão que, ao definir a Igreja como povo de Deus a caminho na história, pôs a instituição na dependência da comunhão valorizando o papel dos leigos na Igreja;
 a teologia das realidades terrenas, com que a Igreja fechou o tempo da cristandade e abraçou o tempo evangélico da laicidade, abandonando o clericalismo e declarando que a responsabilidade de conservar e de transmitir o “depositum fidei” exige que se apreenda a dimensão histórica da salvação, tarefa específica dos leigos;
 a teologia bíblica que declarou a Bíblia “livro aberto” a todos, até então “livro selado”, reservado a poucos. Daqui derivou um retomar da espiritualidade bíblica e um renovamento da oração pessoal comunitária.
Temos o suficiente para sentirmos que é necessário mais do que nunca “Ousar o Evangelho”!
“Este é um tempo em que tudo se fecha — disse há poucos dias o cardeal Sepe em Nápoles — Por isso, enquanto tudo se fecha, a Igreja tem de abrir: abrir todos os dias uma nova porta, seja de uma igreja, de um centro de escuta ou de uma casa que acolhe. Sobretudo tem de abrir as portas do coração. Só assim será possível vencer até batalhas impossíveis”.
Para abrir as portas temos de ser capazes de nos pormos em movimento e, por outro lado, a própria vida é movimento, o amor é movimento, a relação com os outros é movimento, até a fé é movimento, movimento para Deus. Se escolhermos a estagnação não escolhemos a vida, não escolhemos o amor, não escolhemos a relação com o outro, não escolhemos Deus.
Para abrir as portas precisamos de confiança, de entusiasmo e de paixão. Confiança na Palavra de Deus, que prometeu caminhar connosco até ao fim dos tempos, entusiasmo recordando a raiz etimológica desta magnífica palavra que significa “cheio de Deus, com Deus dentro de si”, e paixão, outra magnífica palavra de que temos de nos apropriar no significado mais belo que é justamente o da língua brasileira, apaixonado, ou seja, enamorado, enamorado pelo homem, enamorado por Deus.
Confiança, entusiasmo e paixão para “Ousar o Evangelho”, realidade sempre presente e sempre viva.
Vocês estão aqui diante de nós e convosco, juntamente convosco, estão todos os equipistas do mundo, todos aqueles que nestes anos encontrámos, aqueles que conhecemos por um dia ou por uma hora. Convosco, e graças a vocês, crescemos: a nossa humanidade tornou-se mais doce porque respirou das vossas respirações, as nossas mentes viram horizontes mais amplos porque se alimentaram dos vossos pensamentos, a nossa fé tornou-se mais adulta porque se encheu do vosso caminho de fé partilhado connosco. Neste momento dissipa-se a dimensão do serviço, o nosso e o vosso, não só porque acaba para nós e para alguns de vocês, enquanto começa para outros, mas porque o que sentimos dentro de nós é apenas uma grande e intensa emoção por aquilo que recebemos nestes anos. Gostaríamos de abraçar cada um de vocês para vos fazer sentir no calor do  7 B. Sorge, La Traversata – La Chiesa dal Concilio Vaticano II ad oggi, Mondadori 2010.
8 Cardeal Crescenzio Sepe, Chiesa di tutti e particolarmente dei poveri, Nápoles, 16 Junho 2012.
 
5 - abraço a nossa emoção e para podermos dizer todos juntos, com plena autenticidade de sentimentos
e com plena consciência de fé: “A nossa alma glorifica o Senhor porque fez em nós maravilhas!”.

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