Depois de ter
contemplado cada uma das três Pessoas, temos que considerar, agora, sua vida em
comum. Já nesta terra, a mais alta perfeição não é a pessoa isolada, por
perfeita que seja, mas sim a de uma comunidade de pessoas que se amam. A
perfeição divina atinge sua mais esplendorosa beleza na comunidade trinitária,
onde tudo é comum entre as Pessoas divinas.
Viver juntos e
ter tudo em comum: não é a aspiração inata e a grande alegria do amor na terra?
Não era esta a gozosa experiência da primeira comunidade cristã, na qual se
reflita o amor trinitário? “Todos os crentes viviam unidos e tinham tudo em
comum...” lemos nos Atos dos Apóstolos. Entre as três pessoas da Trindade tudo
era comum. “Tudo o que é meu é teu e o que é teu é meu” (Jo 17, 10), disse
Jesus dirigindo-se a seu Pai. A natureza divina, com todas as suas perfeições e
suas riquezas (santidade, poder; ciência, bondade, beleza...), é comum às três
Pessoas. O Pai, o Filho e o Espírito Santo tem uma mesma visão das coisas e do
mundo, uma única vontade, uma única atividade.
Evitemos, porém
uma concepção estática demais desta divina colocação em comum. Depois de ter
dito que tudo é comum, é preciso esclarecer imediatamente que tudo é perpétua
mudança, diálogo incessante. Assim ocorre entre os seres que se amam. O que
cada Pessoa recebe das outras duas, na Trindade, é restituído de imediato às
outras duas em um arroubo de amor: não retém nada, não possui nada com
exclusividade.
Devemos
compreender que este intercâmbio ininterrupto de amor não provoca nenhuma
confusão entre as Pessoas, mas cada uma, ao se dar as outras, afirma em toda
beleza a sua própria personalidade. O dom de si mesma nunca é perda, mas
afirmação de si mesma. Aquele que se guarda é que perde. Aquele que se dá,
triunfa. O dom de si mesma é, conjuntamente, criador de cada uma das
personalidades e da comunidade.
Deste modo, se
torna manifesto, para nós, que amar é ser um, sem deixar de ser vários, cada um
entregue a todos e todos entregues a cada um. É viver entre vários um único
amor, uma só vida, uma só felicidade. É verdadeiramente esplêndida, de uma
verdade inimaginável, a ordem da comunidade trinitária. Enquanto os homens
perseguem, sem poder realmente alcança-lo, este sonho da unidade na
pluralidade, em Deus, é realidade. Tal é o sentido desta afirmação em nosso
Credo, que nos é familiar: um só Deus em três Pessoas. Uma palavra expressa
este milagre da unidade na pluralidade: a palavra harmonia. As relações das
três Pessoas divinas produzem a suprema harmonia, da qual toda harmonia
terrestre é somente um eco muito remoto.
Diante dos
primeiros discípulos de Jesus Cristo, os pagãos exclamavam: “Vede como se
amam...” E, entretanto, aquela comunidade era só um pálido reflexo da Trindade.
A homenagem deve ser dada as três Pessoas divinas: “Vede como se amam!...”
Assim, pois, a
grande revelação, que Cristo tem por missão oferecer a terra, é expressa deste
modo: Deus, o verdadeiro Deus, o Deus vivo, é comunidade de amor. Mais simples:
“Deus é amor” (1 Jo. 4, 16). Quão ridícula e pretensiosa nos parece a definição
de René de Chateaubriand faz de Deus: “O celibatário dos mundos!”. No único
Deus, não há solidão, mas a fecundidade do amor o calor de uma tríplice
Presença.
Se já é verdade
que para os filhos é uma grande sorte ter um pai e uma mãe que se amem, quão
grande deveria ser a nossa felicidade por termos um Deus que é comunidade de
amor; um sol em nosso céu! Eu gosto desta definição do contemplativo Paul
Claudel: “Existe um homem que julgou inútil olhar outra coisa que não seja o
sol”.
(...) Nossa
posição, nossa pátria para nós, batizados, é a comunidade trinitária. Ali, no
Filho e com o Filho, na Igreja e com a Igreja, estamos totalmente abertos,
totalmente acolhedores à efusão de amor ao Pai, que converte cada um de nós em
Seu Filho, no sentido forte da palavra.
No Filho, com o
Filho, estamos todos avançando para o Pai em um grande ímpeto de gozosa
gratidão. Com o Pai e o Filho exultamos de gozo em seu amor comum, o Espírito
Santo, aquele que os Padres da Igreja, como eu dizia antes a vocês, chamam de “A
Festa Divina”. Este é o mistério profundo da vida da Igreja e, portanto, da
vida cristã individual. “Por Jesus Cristo, Nosso Senhor. Com Ele e nEle, a Vós,
Deus todo poderoso, na unidade do Espírito Santo, toda a honra e toda Glória,
pelos séculos dos séculos.”
Mas não podemos
esquecer que, se estamos chamados desde agora a viver com o Filho na intimidade
do Pai, também devemos, como Ele, nos dirigirmos aos homens como enviados do
Pai.
Para traduzir
meu pensamento, volto a minha comparação do filho em um matrimônio humano: ele
não é apenas chamado através do amor de seu pai e da sua mãe, mas também é
testemunha deste amor. Igualmente nós, chamados através do amor do Pai e do
Filho, devemos ser entre os homens, as testemunhas de seu amor mútuo, ou mais
precisamente, devemos ser totalmente transparentes ao Espírito Santo que nos
habita, do qual eu lhes dizia que é eterna testemunha do amor do Pai e do
Filho.
Sim, a Igreja
inteira, e também cada um de nós, deve ser testemunha do amor do Pai e do
Filho, e isto deve acontecer para que os homens, nossos irmãos, compreendam
esta Boa Nova, de que são eles também chamados pelo amor do Pai e do Filho e
pela sua eterna alegria. Esta é a mais elevada concepção do apostolado cristão.
Texto de Padre Caffarel, do livro CENTELHAS DE SUA
MENSAGEM.
ENS, SUPER-REGIÃO BRASIL
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