É interessante notar como o
Protestantismo alega ser o retorno às origens da fé, ao Verdadeiro
Cristianismo, enfim o verdadeiro confessor da fé legítima dos Primeiros
séculos. Aliás, diga-se de passagem, se existe uma constante entre as religiões
não-católicas é a chamada "teoria do resgate". A imensa maioria delas
(a quase totalidade) afirma que o cristianismo primitivo foi puro e limpo de
todo erro, mas que, com o tempo, os homens acabaram por perverter a verdade
cristã, amontoando sobre ela uma enormidade de enganos.
O
verdadeiro cristão, sob este prisma, seria aquele que, superando tais enganos,
redescobre o "verdadeiro cristianismo', com toda a sua pureza e singeleza.
Para
estas religiões, o responsável pelos erros que se acumularam no decorrer dos
séculos é, quase sempre, o catolicismo. Já a religião que "resgatou a
verdade" varia de acordo com o gosto do freguês: luteranismo, calvinismo,
pentecostalismo, espiritismo, etc.
De uma
certa forma, mesmo as religiões esotéricas, a Teologia da Libertação, a
maçonaria e (pasmen!) o próprio islamismo bebe desta "teoria do
resgate".
O
motivo do universal acatamento desta "teoria" é o fato de que, para o
homem, é muito difícil, diante dos ensinamentos de Jesus Cristo, e da santidade
fulgurante dos primeiros cristãos, negar, seja a validade daqueles
ensinamentos, seja a beleza desta santidade. Portanto, as pessoas precisam
acreditar que, de uma certa forma, se vinculam a Jesus Cristo e às primeiras
comunidades cristãs, ainda que não diretamente.
Mas
igualmente, é muito difícil para o orgulho humano aceitar que este genuíno
cristianismo existe, intocado, dentro do catolicismo. Aceitá-lo, para todos os
grupos não católicos, seria aceitar que estão errados e que, muitas vezes,
combateram contra o verdadeiro cristianismo. Desta forma, a "teoria do
resgate" é a maneira mais fácil para que um não-católico possa
considerar-se um "verdadeiro discípulo de Cristo" sem ter que
reconhecer os erros e heresias que professa.
O
problema básico de todos estes grupos é que existem inúmeros escritos dos
cristãos primitivos e, por meio de tais escritos é que alguém, afinal de
contas, pode saber em que criam e em que não criam os cristãos primitivos. E
estes escritos são uma devastadora bomba a implodir todos os grupos que ousaram
a se afastar da barca de Pedro. Eles solenemente atestam que o cristianismo
primitivo permanece intacto dentro do catolicismo. Assim (ironia das ironias),
os adeptos da "teoria do resgate", freqüentemente, para defender o
que julgam ser a fé dos cristãos primitivos, são obrigados a desconsiderar todo
o legado destes primitivos cristãos.
O
protestantismo é o mais solene exemplo de tudo o quanto acima dissemos.
Em
nosso artigo "Como o protestantismo pode ser um retorno às origens da
fé?", já expusemos como o protestantismo não confessa a fé que os
primeiros cristãos confessaram, fé esta que receberam dos Santos Apóstolos.
Quem estuda com seriedade as origens da fé e a história da Igreja, insistimos,
sabe que a tão referida Igreja Primitiva, é na verdade a Igreja Católica dos
primeiros séculos.
Neste
presente artigo, gostaríamos de lançar a seguinte pergunta: teria sido o
cristianismo primitivo uma união de confissões protestantes ou uma única
confissão católica?
Sabemos
que o Protestantismo ensina que todos os crentes em Jesus formam a Igreja de
Cristo. Desta forma, não interessa se o crente é da Assembléia de Deus, se é
Luterano e etc; são crentes em Jesus e fazem parte da Igreja Invisível de
Cristo, mesmo confessando doutrinas diferentes. Curiosamente (e este é um
paradoxo insuperável desta "eclesiologia" chã e rastaqüera), apenas
os católicos é que não fazem parte deste "corpo invisível", ainda que
confessemos que Jesus Cristo é o Senhor do Universo.
O
protestantismo, como percebe o leitor, é algo bastante curioso...
Aqui é
importante que o leitor não confunda doutrina com disciplina. O fato de na
Assembléia de Deus os homens sentarem em lugar distinto das mulheres em suas
assembléias, e o fato dos Luteranos não adotarem esta prática, não é
divergência de doutrina entre estas confissões, mas de disciplina. A
divergência de doutrina nota-se pelo fato dos primeiros não aceitarem o batismo
infantil e os segundos aceitarem. Isto é para citar um exemplo.
A
doutrina é a Verdade Revelada, é o núcleo da fé, é o que nunca pode mudar. A
disciplina é a forma como a doutrina é vivida, e é o que pode mudar, desde que
não fira a doutrina.
Uma
análise completa de como seria o passado do Cristianismo se ele tivesse sido
protestante exigiria a escrita de um livro. Então, neste artigo vamos apenas
verificar a questão das resoluções tomadas pela Igreja Primitiva a fim de
combater o erro, isto é, as heresias.
Ao
longo da história, a Igreja se deparou com sérios problemas doutrinários.
Muitos cristãos confessavam algo que não estava de acordo com a fé recebida
pelos apóstolos.
A primeira heresia que a Igreja teve que combater a fim de conservar a reta fé foi a heresia judaizante.
A primeira heresia que a Igreja teve que combater a fim de conservar a reta fé foi a heresia judaizante.
Os
primeiros convertidos á fé Cristã eram Judeus, que criam que a observância da
Lei era necessária para a Salvação. Quando os gentios (pagãos) se convertiam a
Cristo, eram constrangidos por estes cristãos-judeus a observarem a Lei de
Moisés. Os apóstolos se reúnem em Concílio para decidir o que deveria ser feito
sobre esta questão.
Em At
15, o NT dá testemunho que os apóstolos acordaram que a Lei não deveria ser
mais observada. E escreveram um decreto obrigando toda a Igreja a observar as
disposições do Concílio.
Veja-se
este Concílio de uma maneira mais pormenorizada. Haviam dois lados muito bem
definidos em disputa, cada qual contando com um líder de enorme expressão. O
primeiro destes lados era o já citado "partido dos
judaizantes", que tinha, como sua cabeça, ninguém menos do que São
Tiago, primo de Jesus Cristo e a quem foi dado o privilégio de ser Bispo da
Igreja Mãe de Jerusalém. Contrário a este partido, havia o que advogava que, ao
cristão, não se poderia impor a Lei de Moisés, visto que o sacrifício de Jesus
Cristo era suficiente e bastante para a salvação de quem crê. Como cabeça deste
grupo, estava São Paulo, o mais influente apóstolo de então, a quem Deus havia
dado o privilégio de "visitar o terceiro céu", e de conhecer coisas
que, a nenhum outro ser humano, foi dado conhecer.
Dois
grupos muito fortes, com líderes extremamente influentes. Realiza-se o Concílio
num clima de muita discussão. Estavam em jogo a ortodoxia e a salvação da alma
de todos nós. No concílio, foram estabelecidas duas coisas muito importantes,
de naturezas diversas.
Em
primeiro lugar, São Pedro afirmou que os cristãos não estavam obrigados à
observância da lei, definindo um ponto de doutrina imutável e observado por
todos os cristãos até hoje (At 15, 7-8). Aliás, a liberdade cristã, vitoriosa
neste Concílio, é o ponto de partida de toda a teologia protestante. Não
deixa de ser curioso o fato de que este núcleo teológico acatado por todos eles
foi definido, solenemente, pelo primeiro Papa, muito embora eles afirmem que o
Papa não tem poder para definir coisa alguma...
Pouco
depois, São Tiago sugeriu, juntamente com a proibição de uniões ilegítimas, a
adoção de normas pastorais (a saber: a abstinência de carne imolada aos ídolos,
e de tudo o que por eles estivesse contaminado),o que foi aceito por todos e
imposto aos cristãos. Tais normas, hoje não são seguidas. Por que? Nós
católicos temos o argumento de que tais normas eram disciplinares e não
doutrinárias, e que a Igreja Católica que foi a Igreja de ontem com o tempo as
revogou; assim como uma mãe que aplica normas disciplinares a um filho quando é
criança e não as utiliza mais quando o filho se torna um adulto.
E qual
o argumento dos protestantes por não observarem tais normas. Não deixa de ser
curioso o fato de que não existe uma revogação bíblica destas normas, e,
portanto, os protestantes (adeptos da "sola scriptura") deveriam
observá-las. No entanto, não as observam. Revogaram-nas por conta própria. E,
ainda por cima, nos acusam de "doutrinas antibíblicas"...
Nada
mais antibíblico, dentro do tenebroso mundo da ?sola scriptura", do que não
seguir as normas de At 15, 19-21...
Bem,
prossigamos. Este Concílio, portanto, foi exemplar por três motivos:
a)
narra uma intervenção solene de São Pedro, acatada por todos e obedecida até
pelos protestantes hodiernos, ilustrando a infalibilidade papal;
b)
narra a instituição de uma norma de fé por todo o concílio (qual seja: a
abstenção de uniões ilegítimas), igualmente seguida por todos até hoje, o que
ilustra a infalibilidade conciliar;
c)
narra a instituição de normas pastorais, que se impuseram aos cristãos e que
deixaram, com o tempo de serem seguidas, muito embora constem da Bíblia sem
jamais terem sido, biblicamente, revogadas (o que, por óbvio, não cabe dentro
do "sola scriptura").
Ao fim
do Concílio, portanto, e de uma certa forma, os dois lados estavam
profundamente desgostosos. Em primeiro lugar, o grupo dos judaizantes teve que
aceitar a tese de São Paulo como sendo ortodoxa. Afinal, São Pedro em pessoa o
afirmara e, diante das palavras dele, a opinião de São Tiago não tinha lá
grande importância. Como católicos que eram, curvaram-se, assim como o próprio
São Tiago se curvou.
Imaginemos
se fossem protestantes. Afirmariam que não há base escriturística para a
afirmação de São Pedro. Que, sem versículos bíblicos (do cânon de Jerusalém,
ainda por cima!), não acatariam aquela solene definição dogmática. Que São
Pedro, sendo uma mera "pedrinha", não tinha poder de ligar e de
desligar coisa nenhuma, muito embora Jesus houvesse dito que ele o tinha.
Afirmariam, ainda, que todos os cristãos são iguais, e que, portanto, São Tiago
era tão confiável quanto São Pedro, pelo que a palavra deste não poderia
prevalecer sobre a daquele, principalmente quando todas as Escrituras diziam o
contrário.
Por
fim, criariam uma nova Igreja. A Igreja do Apóstolo Tiago, verdadeiramente
cristã, alheia aos erros do papado desde o princípio.
Imaginemos,
agora, o lado dos discípulos de São Paulo. É verdade que sua tese saiu
vitoriosa do Concílio, mas, em compensação, tiveram que acatar as normas
pastorais de cunho nitidamente judaizante. Como bons católicos que eram,
entenderam que a Igreja foi constituída pastora de nossas almas e que,
portanto, tais normas eram de cumprimento obrigatório.
Imaginemos,
agora, se fossem protestantes. Afirmariam que São Paulo teve uma
"experiência pessoal" com Jesus e que, nesta experiência, o Senhor
lhe dissera que ninguém deveria se preocupar com o que come ou com o que
bebe. Além disto, a experiência cristã é, eminentemente, espiritual e não
pode sem conspurcada ou auxiliada por coisas tão baixas como a matéria (muitos
protestantes, na mais pura linha gnóstica, têm horror a tudo o que é material).
Portanto, este Concílio estava negando a verdade cristã, pelo que não se
sentiriam obrigados a coisa alguma nele definida.
Acabariam,
finalmente, fundando uma nova Igreja. A "Igreja Em Cristo, Somos Mais do
que Livres", ou "Igreja Deus é Liberdade."
Este
foi o primeiro concílio da Igreja. Realizado por volta do ano 59 d.C., e
narrado na Bíblia. Portanto, é "cristianismo primitivo" para
protestante nenhum botar defeito!
Neste
ponto, perguntamos: os protestantes realizam concílios para resolverem
divergências doutrinárias? Sabemos que não. Então, como os protestantes podem
avocar um pretenso retorno ao "cristianismo primitivo" se não
resolvem suas pendências como os primitivos cristãos? Somente por aí já se
percebe que a "teoria do resgate" não passa de uma desculpa de quem,
orgulhosamente, não quer aderir à Verdade.
Portanto,
se a Igreja Primitiva tivesse sido protestante, como defendem alguns, este
concílio não se realizaria. Primeiro que não se incomodariam se alguns cristãos
confessam algo diferente, pois para os protestantes, o que importa é a fé em Cristo. A doutrina não
importa, o que importa é a fé. Se você tem fé e foi batizado está salvo. Não é
assim no protestantismo?
Em
segundo lugar, supondo a realização do concílio, como já se viu acima, nem os
cristãos judaizantes nem os discípulos de São Paulo não adotariam as
disposições do Concílio em sua inteireza. E então não haveria de forma alguma
uma só fé na Igreja.
Verificamos
que então que a fé primitiva não era protestante, era católica; por isto eles
sabiam que deveriam obedecer a Igreja pois criam que Cristo a fundou para os
guiar na Verdade (cf. 1Tm 3,15), assim como nós católicos cremos. Tanto é assim
que, nos séculos que se seguiram, os "cristãos primitivos"
continuaram resolvendo suas pendências doutrinárias segundo o modelo de At 15.
Concílios ecumênicos e regionais se sucederam por toda a história da
cristandade, sempre acatados e respeitados. Alguns deles (vá entender!) são
acatados e respeitados até pelos protestantes.
Depois
da heresia judaizante, a ortodoxia (reta doutirna) cristã teve que combater as
seguintes heresias: gnosticismo, montanismo, sabelianismo, arianismo,
pelagianismo, nestorianismo, monifisismo, iconoclatismo, catarismo, etc. Para
saber mais sobre estas heresias ler artigo "Grandes Heresias". Este
mesmo artigo nos mostra como muitas destas heresias se revitalizaram nas seitas
protestantes, que, assim, embora aleguem um retorno ao "crsitianismo
primitivo", acabam por encampar doutrinas anematizadas por estes mesmos
cristãos primitivos.
Como
costumamos dizer, a coerência não é o forte do protestantismo...
O fato
é que graças á realização dos Concílios Ecumênicos ou Regionais, graças aos
decretos Papais, e à submissão dos primeiros cristãos aos ensinamentos do
Magistério da Igreja, é que foi possível que houvesse uma só fé na Igreja antes
do século XVI (antes da Reforma). Foi pelo fato da Igreja antiga ser Católica,
que as palavras de São Paulo ("uma só fé" cf. Ef 4,5) puderam se
cumprir.
Se a
Igreja Antiga fosse protestante, simplesmente, o combate às heresias não teria
acontecido, e com toda certeza nem saberíamos no que crer hoje. O mundo
protestante só não e mais confuso porque recebeu da Igreja Católica a base de
sua teologia.
Como
ensinou São Paulo: "A Igreja é a Coluna e o Fundamento da Verdade"
(cf. 1Tm 3,15). Foi assim para os primeiros cristãos e assim continua para nós
católicos.
Assim
como no passado, continuamos obedecendo aos apóstolos (hoje são os bispos da
Igreja, legítimos sucessores dos apóstolos) pois continuamos crendo que Jesus
fundou sua Igreja nos ensinar a Verdade através dela.
Se isto
foi verdade no passado, necessariamente é verdade agora e continuará sendo sempre.
Estude
as origens da fé, procure saber sobre os Escritos patrísticos e descubra a
Verdade, assim como nós do Veritatis Splendor, que somos ex-protestantes (em
sua maioria) descobrimos.
Não
rotulem, conheçam.
"Conhecereis
a Verdade e a Verdade vos libertará".
Autores: Alessandro Lima * e Alexandre Semedo.
* O
autor é arquiteto de software, professor, escritor, articulista e fundador do
Apostolado Veritatis Splendor.
Postado no Guia de Blogs Católicos:
http://blogscatolicos.blogspot.com.br/2013/02/a-igreja-primitiva-era-catolica-ou.html
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