Certa vez estava Jesus a ensinar em público quando
alguém se aproximou e o indagou: “Senhor, é verdade que são poucos os que se
salvam?” (1) A resposta de Cristo veio como uma incógnita da seguinte
maneira: “Fazei todo o esforço possível para entrar pela porta estreita” (2).
Perguntamos, será que aquele que havia feito a indagação conseguiu entender a
resposta do messias? E nós, entendemos?
Logicamente, aquele que o indagou gostaria de ter
recebido uma resposta simples como “Sim” ou “Não”. Porém, atrás da resposta de
Cristo existe uma infinidade para se compreender. Quando Jesus responde que é
preciso fazer esforço significa que é necessário se empenhar com ânimo, ou
seja, com todas as forças que lhe são possíveis, para então, entrar pela porta
estreita. Mas, será que a porta do céu é estreitíssima, se é assim, então,
aqueles mais avantajados terão mais dificuldades por entrar no Reino dos Céus.
Certamente Cristo não se refere a uma porta física
ou qualquer coisa do gênero, e sim se refere a um modo de vida, a uma postura
frente às diversas possibilidades que nos cercam. Para compreender tal sentido
visualizemos a seguinte estória.
Era uma vez uma pequena aldeia africana. A fonte de
água situava-se quilômetros apenas e os habitantes da aldeia, gratos por esse
caso favorável, viviam na maior alegria. As mulheres encarregadas de buscar a
água gozavam de grande prestígio: todos os dias distribuíam a vida à
comunidade. Salomé, muito hábil, levava sempre duas bilhas: uma estava em
perfeito estado, mas a outra, um tanto gasta, perdia água. Esta bilha
envergonhada com suas rachaduras, perguntou-lhe certo dia:
– Por que você não escolhe uma bilha que rende
mais? Você não vê que desperdiço água, que não cumpro com minha missão? Quando
chego à aldeia, estou vazia.
– Melhor dizendo: meio cheia, respondeu Salomé.
Mas vem comigo.
Salomé tomou a bilha sob o braço e a levou pelo
caminho da fonte:
– Quando volto trago sempre tua amiga no lado
direito e você no lado esquerdo. Agora, olha para o chão. A bilha olhou. No
lado direito só havia poeira. Mas no lado esquerdo, flores.
A porta estreita do evangelho nos indica o modo de
se por diante da vida cotidiana, muitas das vezes desejamos produzir, ganhar
dinheiro, estar bem vestidos, bem alimentados e passear muito. E, quando temos
algum probleminha logo procuramos sanar a dificuldade, tal como a bilha com
suas rachaduras que desejava que fosse trocada por outra. No entanto, a bilha
rachada não percebida que através de suas rachaduras dava vida a outras vidas.
A porta estreita por diversas vezes causa dor,
dificuldades que parece até intermináveis. Mas quais são as portas estreitas de
nossas vidas? Para um casal recém casado após algum tempo juntos logo
perceberão mais os defeitos do parceiro ou da parceira do que as virtudes, eis
aqui um porta estreita. Para um casal que teve o primeiro filho, no início tudo
é alegria, mas no segundo, no terceiro mês de vida do bebê logo perceberão a
sua porta estreita, ou seja, terá que acordar de madrugada para acudir o filho
ou a filha que está em prantos. Para um noviço que ao chegar ao convento, no
primeiro mês tudo é novo, tudo lhe inspira, mas a hora que lhe bate a saudade
da família e, começa as dificuldades, logo percebe a sua porta estreita. Estes
e tantos outros exemplos é que podemos elencar acerca da porta estreita de
nossas vidas.
É necessário fazer esforço para entrar pela porta
estreita, não é fácil deixar nossa situação cômoda para ir ao encontro do irmão
que necessita de nossa ajuda. Já pensou em fazer como a Salomé de nossa
estória, que de modo simples levava vida para a sua aldeia. Em nossa vida a
quantos estamos dando vida, o nosso sorriso dá vida, o nosso “bom dia” dá vida,
o nosso olhar carinhoso dá a vida.
Numa outra passagem do evangelho Cristo aponta o
caminho da porta estreita, aponta o Reino de Deus cá na terra, com as seguintes
palavras: “tive fome e me destes de comer. Tive sede e me destes de beber. Era
forasteiro e me acolhestes. Estive nu e me vestistes, doente e me visitastes,
preso e viestes ver-me” (4). Eis a porta estreita. No entanto, é preciso fazer
esforço para sair de si, sair de nosso egoísmo, de nossa vida cômoda, e então,
ir ao encontro do irmão.
Neste domingo lembramos a Vocação Laical, e através
destes apontamentos podemos entender que aqueles que abraçam esta vocação são
como a Salomé e como a bilha, que por meio de suas condições
possíveis possibilitam a vida a tantas outras vidas.
Aos leigos, aos casados, aos sacerdotes, aos
religiosos, a todos nós é preciso auscultar, acolher e guardar em nossos
corações o que o Senhor nos fala:
“Fazei todo o esforço possível
para entrar pela porta estreita”
Frei Osvaldo Maffei, OFM
(1) Lc
13,23 - (2) Lc 13,24ª - (3) Autor desconhecido - (4) Mt 25,35-36
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