EQUIPES DE NOSSA SENHORA
(39 – Apend – Test - esp)
APÊNDICE
Conferência pronunciada, em São Paulo, pelo Cônego Henri Caffarel, por ocasião de sua viagem ao Brasil em setembro de 1972 e que ele apresentou como sendo seu
TESTAMENTO ESPIRITUAL
Quando um pai de família tem muitos filhos, a alegria é muita, mas as preocupações também. E eu tenho quatro mil filhos. Sou pai de uma família muito numerosa, com muita alegria e muitas preocupações. Mas, quando os pais descobrem que seus filhos, já crescidos, mantiveram toda a sua confiança para com o pai e a mãe, a alegria é excepcionalmente grande. Essa é a minha alegria: de ver que aquele pequeno número de equipes que encontrei no Brasil há quinze anos tornou-se um número tão grande e manteve a mesma confiança. Por isso vos digo a única coisa que aprendi em português: Muito obrigado! Não é fácil falar por meio de tradutor, e eu também não sei se minhas conferências serão muito difíceis de acompanhar ou se, ao contrário, vos parecerão muito simples. Por isso espero que me façais saber o que deverei mudar para que elas vos sejam proveitosas. Não me dirijo a vós como simples equipistas, mas como a grandes responsáveis: Representais a liderança do Brasil em termos de equipes de Nossa Senhora, e eu tenho a responsabilidade no plano supranacional. Por isso espero que, nestes três dias, reflitamos em conjunto. Não posso, absolutamente, contentar-me em transmitir-vos idéias prontas. As Equipes de Nossa Senhora devem ser continuamente reinventadas, e por isso é preciso que nestes três dias, nós reflitamos juntos. Não vou enunciar dogmas, vou propor temas para reflexão, o que é muito diferente. Vossa responsabilidade é grande porque no Brasil há umas trezentas e cinqüenta equipes. Minha responsabilidade é grande porque no mundo há uma quatro mil equipes. Vamos tentar, durante estes dias dar um passo adiante na reflexão, porque um movimento, uma igreja que não refletem sobre o contínuo ajustamento de sua atividade são um movimento e uma igreja que decaem e que, muito depressa, estarão em crise. O que aumenta a nossa responsabilidade, a minha e a vossa, é que estamos vivendo de uma maneira muito mais dramática do que há quinze anos atrás, quando vim pela primeira vez ao Brasil. Há uma grande cise na Igreja. Não é o caso de sermos um movimento conservados, que mantém a fé na Igreja; trata-se de ser um fermento de renovação, se não de revolução espiritual e, se as Equipes de Nossa Senhora, neste pós-Concílio, não forem fermento de renovação na Igreja, serão postas de lado, para dar lugar a novos movimentos mais ousadamente revolucionários capazes de trabalhar pelo “aggiornamento” da Igreja. Quando, na Idade Média, a vida monástica, que tinha durante séculos prestado tantos serviços à Igreja, permitiu-se viver na facilidade surgiram movimentos novos – cito apenas um: a grande revolução espiritual franciscana – que se puseram a trabalhar para renovar a Igreja. Será que as equipes de Nossa Senhora vão ser simplesmente aquele movimento que, durante um quarto de século, quando a Igreja ainda não enfrentava crises graves, manteve e desenvolveu a fé, tornando-se depois incapaz, quando a Igreja atravessa uma das mais graves crises de sua história, de trazer `1a igreja a sua parcela de socorros necessários para que ela volte a ser conquistadora, irradiante, resplendente da graça de Cristo? Essa é a questão que eu coloco. E eu estou certo que nem eu nem vós podemos aceitar a idéia de que as Equipes de Nossa Senhora só foram úteis durante um quarto de século. Nós queremos que elas sejam úteis para os séculos futuros, mas isso supõe que elas sejam repensadas em função dessa Igreja que precisa delas mais do que nunca. Por isso minhas cinco conferências vão ser um convite para a reflexão que vós aprofundareis, marido e mulher juntos, que nós aprofundaremos nos círculos, reflexões que permitirão, no fim destes dias, enxergar mais claro o meio de as equipes do Brasil trabalharem mais eficazmente para a renovação da Igreja no Brasil! Antes de abordar meu primeiro tema, peço-vos alguns instantes de recolhimento profundo, porque eu preciso que rezeis ao Espírito Santo para que Ele me ajude a vos dizer o que eu vos devo transmitir de sua parte, e vós precisais da ajuda do Espírito Santo para compreender não só com a inteligência, mas também com o coração, o que vos dirá a minha palavra. Algumas semanas atrás, eu precisava fazer uma conferência para as equipes da Alemanha. Era uma conferência só, e eu me perguntei: Se fosse morrer amanhã, sobre que assunto eu gostaria de chamar a atenção dos equipistas? Um assunto essencial, que seria como que o meu testamento espiritual. Pensei em falar sobre a reunião de equipe, tentando mostrar bem aos meus ouvintes que não se trata de uma reunião qualquer, mas de uma realidade cristã profunda. Não vos falarei, portanto, de métodos para uma boa reunião de equipe, mas do significado profundo de vossa reunião mensal. Começarei com uma pequena anedota, que poderá ser superficial, mas abrirá a conversa. Um sábio chinês, conta uma visão que teve, do inferno e do céu. No inferno havia uma enorme tigela de arroz, com uma multidão de pessoas sentadas ao redor, magras, descarnadas, morrendo de fome, com os olhos vidrados, agonizantes. Como é que morriam de fome, se havia uma tigela tão grande de arroz? É que eles tinham para comer o arroz, pauzinhos como todo o chinês que se preza. Mas os pauzinhos tinham dois metros de comprimento: davam para pegar o arroz, mas não davam para comer. Morriam de fome e isso era o inferno. Foi transportado ao céu. O mesmo espetáculo: a enorme tigela de arroz e pessoas em volta, bem alimentadas, grandes, gordas, felizes, sorridentes... e com os mesmos pauzinhos de dois metros de comprimento. Só que eles tinham descoberto que, em vez de tentar alimentar a si mesmos, como os do inferno, era melhor cada um dar de comer ao que lhe estava em frente. Pois bem. Há equipes parecidas com esse inferno, porque cada um só se preocupa consigo mesmo, e há equipes que se parecem com esse céu porque cada um vem para dar. Vamos tentar levar a reflexão um pouco adiante do sábio chinês, porque, afinal de contas, nós somos sábios cristãos. A partir de agora, eu vos peço aquele esforço de reflexão de que falávamos ainda há pouco. Quando se fala do desígnio de Deus, do grande plano de Deus, do grande projeto de Deus, há duas maneiras de entender as coisas: na primeira, muito difundida nos meios cristãos, que é um enfoque individualista demais, fala-se que Deus quer salvar o maior número possível de homens, mais ou menos como o pescador que deseja pescar o maior número possível de peixes ou o caçador que quer abater mais coelhos e aves. Mas não me parece que Deus veja as coisas dessa forma. Deus não está querendo salvar o maior número possível de indivíduos. Ele está querendo formar um povo. São João (11,52), define assim a missão de Cristo: reunir na unidade os filhos de Deus dispersados. O projeto de Deus é constituir o seu povo, o povo de Deus, ou uma família, se o preferirdes. Mas quando se trata da multiplicação dessa família, Ele não se dirige a cada um de nós individualmente para nos pedir que sejamos suas testemunhas individuais no meio dos homens. Ele pede a seu povo que seja um povo testemunha. Penso que compreendereis esses dois enfoques, e é muito importante compreender que o projeto do Senhor é um projeto que vê um conjunto e não apenas indivíduos justapostos. Portanto, há dois aspectos possíveis: o homem amado por Deus isoladamente e o homem visto por Deus em um conjunto, e seu plano nesse conjunto. Um automobilista não dá muito valor a um carburador isolado, colocado em cima de sua mesa. Ele quer é um carburador colocado no motor e dando conta do seu recado. Nós não somos, aos olhos de Deus, carburadores, alternadores ou outras peças isoladas; nós somos vistos no conjunto do povo de Deus. A vocação do cristão é antes de tudo a de existir como cristão, mas o cristão não recebe a salvação a não ser no interior do povo, da família de Deus. Além disso, o cristão tem um lugar no povo de Deus e, quando compreende que tem que ser testemunha de Deus, ele não se contenta em ir sozinho ao encontro dos outros, ele trabalha, coopera com o povo testemunha, tem seu lugar no testemunho grande que o povo de Deus, que a Igreja de Deus dá aos homens. É muito importante entender bem a Igreja sob este enfoque de povo-testemunha no meio dos homens e o cristão como inserido nessa Igreja e cooperando com a irradiação, com a fecundidade dessa Igreja. Observemos a posição de Cristo a respeito e perceberemos imediatamente que Ele não agiu visando converter indivíduos isolados. Ao contrário, toda a sua ação consistiu em formar um pequeno povo – no começo foi uma pequena equipe – que se tornaria uma assembléia maior, que se tornaria a grande Igreja, com quinhentos milhões de membros no século XX. Jesus Cristo trabalhou e formou um povo. Vejamos isso na Bíblia. Eu gostaria que vos trinásseis cada vez mais apaixonados leitores da Bíblia e principalmente do Evangelho. “Caminhando Jesus à beira do mar da Galiléia encontrou dois irmãos: Simão e André que lançavam a rede ao mar, porque eram pescadores. Ele lhes disse: Vinde comigo e vos farei pescadores de homens. Imediatamente, largando sua rede, eles o seguiram. Passando adiante, Ele viu outros dois irmãos: Tiago e João; estavam na barca com seu pai, consertando a rede. Chamou-os e, abandonando imediatamente a barca e o pai, eles o seguiram”. Cristo estava começando sua obra, e começou reunindo quatro moços que tiveram a generosidade de largar tudo para segui-lo. Os dias passam e Ele recruta outros. Para Jesus é um momento capital, trata-se de escolher bem os que vão fazer parte de sua primeira equipe. (Gosto de chamar o grupo dos apóstolos de equipe). É uma tarefa muito grave, e Ele a prepara com a oração, tamanho o cuidado de Cristo para formar um grupo. Subiu à montanha para rezar e passou toda a noite suplicando a Deus. Depois chegado o dia, chamou seus discípulos, escolheu doze a quem deu o nome de apóstolos. Vamos examinar com bastante atenção o que é que Jesus fez para que essa primeira equipe tivesse a extraordinária força explosiva que lhe permitirá conquistar todo o mundo mediterr6aneo e talvez a Ásia e até a Índia. Seu pensamento, todo o seu pensamento (como podeis ver não estamos longe de nossa vida de equipe) é formar uma equipe muito coerente, muito forte, tomada por um dinamismo interior. Observemos como Ele se empenha, pois não é simples o trabalho a que vai se entregar de formar uma equipe tomada por um dinamismo poderoso. Ele vai penar muito para conseguir isso, e começa formando a equipe e cada um dos membros da equipe. Sublinho a palavra formar. Reparai que Ele começa formando seu pensamento, porque tudo vai se firmar na visão das coisas que eles tiverem. Quantas vezes lançamos equipes à ação sem ter tido o cuidado de dar a seus membros uma visão bem clara, aguda e entusiasmadora da tarefa a cumprir! Mas Ele os ensina e lhes dirá poucas horas antes de morrer: “Já não vos chamo servos, mas amigos, porque vos ensinei tudo o que aprendi de meu Pai”. A primeira garantia dessa equipe, a que fundamenta seu dinamismo, é ter adquirido a própria visão que Deus tem de seu projeto. Ele não se contentou em lhes dizer o que é que tinham de pensar, disse-lhes também o que tinham que fazer. Mas os apóstolos não eram grandes intelectuais e Ele precisou formá-los, na vida comum com eles: dormiu e comeu com eles, viajou e rezou com eles, sofreu e se alegrou com eles a mesma coisa que vós, pais e mães, fazeis com os vossos filhos. As crianças não são formadas só com palavras, mas pela vida da família. Foi isso o que Cristo fez com os apóstolos e como dizem os universitários, fê-los fazerem ‘trabalhos práticos” para formar apóstolos e discípulos. De vez em quando lhes dizia: “Partireis sozinhos”, como pais que deixam seus filhos sair para aprenderem devagar a ser adultos. Mandava-os dois a dois, à sua frente, a todas as cidades e vilas onde pretendia ir. Preparava-os para a sua missão futura fazendo-os “treinar”, dando-lhes “trabalhos práticos”. Os apóstolos não se amedrontavam, ficavam felizes como crianças em que se teve confiança, e estavam prontos para partir sem perguntar mais nada. Então, para temperar seu entusiasmo, um bocado primitivo, Cristo lhes deu senhas, e que senhas: “Eu vos envio como ovelhas no meio de lobos”(que ducha fria no entusiasmo dos apóstolos!) e “Não leveis bolsa, nem bastão, nem calçado, etc.” Eles voltavam todo felizes com o que tinham feito. E, de novo, antes de sua morte, Cristo lhes diria o que os esperava. É bonito ver que Jesus não os queria enganar. Preveniu (João, 15): “O mundo vos odiará, mas é bom saberdes que me odiou primeiro. Se fosseis do mundo (e isto serve para nós também) o mundo amaria o que é dele, mas uma vez que não sois do mundo, porque minha escolha vos retirou do mundo, então o mundo vos odeia”. Ele continuou a formá-los, mas, quanto mais se adiantava nesse período de formação antes de sua morte, mais lhes dizia coisas pesadas. Dirigia-se aos apóstolos e também a nós. Na tarde da Quinta-feira Santa, (reler os capítulos 13 a 17 de São João), na vigília Ele lhes entregou com abundância todas as senhas, deixou-lhes o testamento espiritual. Então, Jesus morreu. Estava a equipe preparada para assumir a responsabilidade enorme de suceder a Jesus no mundo? Não. Eles tinham sido formados e a equipe preparada, mas os apóstolos não estavam “transformados”, a equipe não tinha sido “transformada”. Se tudo estivesse acabado nesse ponto os apóstolos jamais, jamais teriam convertido o mundo, apesar de terem sido formados durante tr6es anos por Jesus. Que é que faltava? Faltava o dia decisivo de Pentecostes. Jesus algumas horas antes de morrer, tinha-lhes dito aquela palavra que os entristecera: “É bom para vós que eu me vá”. Eles não puderam compreender. Vendo-os tristes, Ele explicou: “Porque, se eu não for, vós não recebereis o Espírito Santo, o meu Espírito e vós sereis sem grande fé, sem grande amor, sem grande coragem, a vossa equipe não ficará muito tempo coesa, e será desfeita”. Três anos de formação dada pelo próprio Filho de Deus não bastaram para fazer de doze homens os apóstolos. Então ele lhes anunciou o Espírito Santo, no qual nós cristãos acreditamos tão pouco e que, entretanto, é a única intervenção em uma vida, capaz de mudar um homem. Já algumas vezes, na história, o Espírito Santo tinha sido dado, mas não ao povo de Deus e sim a indivíduos excepcionais, aos libertadores, aos reis, aos profetas, e os judeus sabiam muito bem o que faz o Espírito Santo quando possui um homem. Ele faz um homem novo. Algumas vezes lhe dá uma força física, outras vezes lhe dá uma força de pensamento, de amor. Sansão tinha recebido o Espírito Santo, e um dia, atacado por um leão, possuído pelo Espírito de Deus, ele agarrou o leão pela cauda e o estraçalhou. Outra vez, cercado por centenas de inimigos, Sansão pegou uma maxilar de asno que estava lá pelo chão e esmagou todos os inimigos. Isso, aliás, me lembra uma história pessoal. Eu tinha sido ordenado padre havia pouco tempo e tinha prometido a um bom amigo, vigário do interior na frança, ir celebrar a missa principal do domingo e pregar a seus paroquianos. Eu lha havia dito: “não me faça cantar que chove”. Ele me fez cantar e o céu se fechou. Tinha pedido para eu pregar, mas, após o Evangelho, tomado de pânico fiz sinal a meu amigo que queria dizer-lhe alguma coisa na sacristia. Parece que o vejo ainda agora; era um homem forte, com os cabelos todo arrepiados. Disse-lhe: “Nada feito, padre, sou incapaz de pregar”. Respondeu, solene: “Se Sansão só com a queixada, venceu seus inimigos, que é que o Senhor não poderá fazer com um burro inteiro? Vá para o púlpito! “Mas o Senhor não fez milagres naquele dia. O Espírito Santo, para os judeus, que ainda não tinham uma visão muito clara das coisas, transformava os homens. Cristo anunciou aos apóstolos que toda a equipe e cada um deles seriam transformados pelo Espírito Santo. Convidou-os a esperar o Espírito Santo após sua morte e ressurreição. Durante a refeição de que participou com eles, recomendou-lhes que não saíssem de Jerusalém, mas ali esperassem a promessa do Pai (e a palavra promessa é um nome próprio do Espírito Santo) e aguardassem a vinda do Espírito Santo. E foi assim que se reuniram na sala de cima para rezar durante os dez dias que separam a Ascensão de Pentecostes. Levavam uma vida de equipe muito bonita, com amizade entre eles, rezando e recordando-se das coisas que Jesus havia dito. Quando o dia de Pentecostes chegou, estavam todos reunidos no mesmo lugar. É preciso notar bem que o Espírito Santo não foi dado a cada apóstolo isolado, estando um na rua, outro no templo, outro em sua própria casa. O Espírito Santo deu-se à equipe dos apóstolos. De repente, veio do céu um barulho como o de uma ventania, e o vento encheu a casa toda. E eles viram aparecer sobre eles línguas de fogo que se subdividiram e se impuseram sobre cada um. Deu-se a tremenda transformação. Os tr6es anos de Cristo com os apóstolos teriam dado em nada se não fosse o acontecimento de Pentecostes. Então, todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar línguas diversas conforme o Espírito Santo lhes mandava que se exprimissem. Havia milhares de pessoas em Jerusalém. Ouviram o barulho do vento e se reuniram ao redor da casa. Eram de todos os países do mundo porque era o tempo da grande festa que reunia os judeus dos quatro confins da terra. E grande foi a sua surpresa ao ouvirem aqueles doze pobres pescadores do lago, aqueles doze homens do povo, semi-analfabetos, falando em suas variadas línguas. E o que diziam aqueles doze pobres homens em plena Jerusalém, onde dois meses antes o Cristo tinha sido preso e crucificado? Que diziam? Nós lemos: as maravilhas de Deus. Pela força do Espírito Santo, aquelas mesmas pessoas a quem Cristo dissera: “Mas como sois lentos para compreender”, tornaram-se maravilhadas. Um verdadeiro cristão é um maravilhado. Mas não basta ter recebido os ensinamentos de Cristo. Precisa possuir também o Espírito de Cristo. E todos estavam estupefatos com a audácia, a alegria, o entusiasmo desse grupinho de homens simples. Observai: Já começava a contestação; alguns diziam aos que se entusiasmavam: “Estais enganados, eles estão b6ebados!” E então São Pedro fez seu primeiro grande sermão, um bocado pouco solene, aliás, mas é preciso desculpá-lo porque era o primeiro sermão que ele fazia. E sabeis como começou seu sermão? Defendendo sus companheiros. Disse aos contestadores: “Refleti, não é verossímil que sendo ainda nove horas da manhã, estes homens estejam bêbados!” Esse espírito de Cristo é que transformaria a comunidade. Foi só a partir desse momento que a comunidade, a equipe, passou a ser o que Cristo queria. Vamos ler agora uma descriçãozinha da equipe dos Apóstolos e dos discípulos: “Todos os crentes juntos, colocavam tudo em comum” (lembrar nossas partilhas e coparticipações). “Vendiam suas propriedades e seus bens e repartiam o que apuravam entre todos, de acordo com as necessidades de cada um, dia após dia, em um só coração”. Havia um único coração entre aqueles que outrora tinham conhecido invejas e rivalidades. Era o Espírito de Cristo que unia a equipe. “Eles freqüentavam assiduamente o templo, partilhavam o pão em suas casas, tomavam o alimento com alegria e simplicidade de coração. Louvavam a Deus e eram bem aceitos por todo o povo”. Entendei o que eu queria dizer ainda há pouco, quando afirmei que Deus não pretende que cada um de seus filhos seja uma testemunha, mas, antes de tudo, que a família de sus filhos seja um povo testemunha, uma equipe testemunha. E essa pequena comunidade tem uma irradiação e uma fecundidade extraordinárias. Escutemos: “Pelas mãos desses pobres homens, transformados pelo Espírito Santo, aconteciam prodígios numerosos, a ponte de as pessoas levarem os doentes para as ruas, colocando-os em leitos e enxergas para que pelo manos a sombra de Pedro, em sua passagem, cobrisse alguns deles. E a multidão acorria das cidades vizinhas e pessoas tomadas por espíritos impuros eram curadas”. Há um ponto muito importante: o Espírito Santo não transformou aqueles homens em simples super-homens; manteve-os fracos. Foi através de suas fraquezas que ele fez os milagres. São Paulo é o apóstolo típico que permite a Cristo fazer milagres porque aceita continuar fraco, colocando sua fraqueza à disposição do Espírito de Cristo. Tinha pedido a Deus que o livrasse de uma enfermidade de que desconhecemos. Cristo respondeu: ”Minha graça te basta, porque meu poder age em tua fraqueza”. São Paulo não chegava a uma cidade todo cheio de si, sentindo-se eloqüente e seguro de que ia converter. Ele tinha chegado correndo, trêmulo, deprimido – disse uma vez aos coríntios. Mas justamente porque avançava ousadamente, apesar de sua fraqueza, o Espírito Santo passava através dessa fraqueza. Haveria muita felicidade e o orgulho ficaria muito favorecido se o Espírito Santo fizesse de cada um de nós alguém que se sente poderoso e sabe que vai provocar aplausos em toda parte. O Espírito de Cristo nos mantém fracos, mas o Cristo nos pergunta: “Mas é certo que acreditas”? É por isso que a fé é fundamental. “Porque a tua fraqueza me permitirá fazer grandes coisas”. E quando, certa vez, os discípulos estavam de volta e chegando perto de Jesus lhe disseram: “não conseguimos curar os doentes nem expulsar os demônios:” Cristo lhes respondeu: "na certa fostes velhacos, quisestes vos adiantar com as próprias forças, e o que vos faltou foi a fé para crer que não é o homem que tem forças, pois poderoso é o Espírito de Cristo através do homem”. A primeira equipe de Jerusalém foi fecunda, na Judéia, na Galiléia, na Ásia Menor, onde fundou outras pequenas equipes, ou ecclesias. Essas pequenas ecclesias são reproduções da primeira: reunidas por Cristo que não está visível, mas é sempre atuante, formadas por Cristo e habitadas pelo Espírito Santo. É isso que São Paulo chama de ecclesia. O conjunto de todas essas pequenas equipes, seria a grande Igreja. No correr dos séculos, estudar-se-ia muito o mistério da grande Igreja, e esquecer-se-ia o mistério da igreja pequena. Haveria uma Igreja grande com uma direção poderosa, e uma grande massa de cristãos. Mas, como viver em equipe se essa equipe tem 400 milhões de membros? Aí é que se descobriu a necessidade das igrejas locais. São Paulo as fundou, com um bispo ou um dos anciãos para as dirigir. Estava tentando salvaguardar o princípio da pequena comunidade, de um tamanho que fosse possível viver a exemplo da comunidade dos apóstolos. Em nossos dias ainda existem essas ecclesias locais, a que chamamos dioceses e são chefiadas por um Bispo. Mas quem vai fazer uma ecclesia com todos os católicos da cidade de São Paulo? Daí a necessidade de equipes mais restritas. Creio mesmo que todos os problemas atuais de “primavera renovada” da Igreja sejam resolvidos pela tentativa de suscitar em toda parte pequenas ecclesias, à imagem da primeira equipe reunida em torno de Cristo, formada por Ele e transformada pelo Pentecostes. A Igreja, nossa grande, nossa querida, nossa bem amada Igreja Católica só será salva na medida em que as massas amorfas de cristãos constituírem equipes coerentes, ao redor do Cristo, animadas pelo Espírito de Cristo. Essa é a missão das Equipes de Nossa Senhora na Igreja de hoje. Vamos ver agora as pequenas igrejas, que são as equipes de Nossa Senhora. Temos a certeza de que não são uma reunião qualquer mas uma ecclesia, porque Jesus Cristo disse: “Se dois de vós se reunirem sobre a terra para pedir, seja o que for, conseguí-lo-ão de meu Pai que está nos céus. Porque onde dois ou três estão reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles”(Mt 18,19). O problema é esse. Será que nossa equipe de Nossa Senhora é uma ecclesia, unida em torno de Cristo, que chama, que ensina, que forma e que sopra seu Espírito sobre cada um dos membros da equipe, ou é um mero círculo de estudos ou uma reunião de amigos? Não insisto mais porque estou justamente querendo propor à vossa reflexão este ponto! Que deveremos fazer de nossa equipe para que ela se pareça mais com a equipe que Jesus reuniu em torno dele, que ele formou e transformou no dia de Pentecostes? Olhando por todo o mundo, penso que uma minoria das equipes são reuniões e não pequenas ecclesias. Creio que, na grande maioria, as equipes são ecclesias, isto é, estão reunidas em redor de Cristo como os apóstolos antes da Ascensão, mas não são ecclesias de depois de Pentecostes, habitadas pelo Espírito Santo. Esse é que deve ser o objeto de nossa reflexão, de nossa pesquisa – levar uma reunião de amigos a se transformar numa ecclesia em torno de Cristo; transformar essa equipe em outra, posterior ao Pentecostes, habitada por um dinamismo poderoso. Corremos o risco de ser acomodados, pusilânimes, tímidos e de não ousar acreditar que Deus possa, ainda hoje, fazer através da equipe de indivíduos simples, coisa maravilhosas como as que fez através dos apóstolos logo depois de Pentecostes. Há quem ache que já é alguma coisa estarmos reunidos ao redor de Cristo. Mais uma vez, digo que isso não é suficiente. Se a equipe dos apóstolos não tivesse conhecido o dia de Pentecostes, teria ficado mais ou menos estéril. Nós precisamos enfrentar o problema: que fazer para que uma ecclesia se torne uma ecclesia pentecostal, como no dia seguinte ao da vinda do Espírito Santo? Tomai nota disso: um casal, marido e mulher, é uma pequena ecclesia. Uma família, pais e filhos, forma uma pequena equipe e pode, e deve, ambicionar ser uma equipe pós-pentecostal. É uma observação que vos faço. Marido e mulher, pensai nisso. Façamos dois minutos de recolhimento. Deus está entre nós. Adoremos, agradeçamos, peçamo-lhe o seu Espírito. HENRI CAFFAREL A Equipe nº 15 de São Paulo (antiga 35) oferece aos equipistas o texto integral da introdução geral e da primeira conferência do Con. Caffarel em Itaici, e responsabiliza-se pela transcrição da gravação e pela tradução. www.ens.org.br
Postado por ENS - Setor Garça - SP
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